Com a nova safra de episódios que chegou ao Globoplay, “Guerreiros do Sol” continua mostrando que é um verdadeiro espetáculo no universo das novelas de streaming nacional. A direção do Rogério Gomes, juntando forças com a estética de João Gomes e Thomaz Cividanes, cria um show visual onde cada cena tem sua própria vibe, cheia de simbolismo e emoção.
Desde o começo, a novela se destaca ao retratar o sertão baiano das décadas de 1920 e 1930 sem cair nos clichês de sempre. Temos conflitos de cangaceiros, coronéis e figuras religiosas se desenrolando numa narrativa intensa e profunda. E olha que essa nova fase encontrou um modo estiloso de equilibrar ação com um drama daqueles que faz a gente refletir.
Um ponto alto é o retorno de Josué, interpretado pelo talentosíssimo Thomás Aquino. O roteiro, assinado por George Moura e Sergio Goldenberg, evita dividir tudo entre bons e maus. Aqui, a história do ex-cangaceiro Pente Fino, que persegue o Padre Bida, traz camadas de fé, traição e justiça, tornando o enredo ainda mais intrigante.
E a fotografia? Pensa numa maravilha! A luz alaranjada do sertão, as sombras dos interiores e a poeira literal nos ajudam a sentir tudo o que os personagens estão passando, mesmo sem palavras.
### Amor entre Mulheres: Uma Revolução Sem Tabus
Prepare-se para um dos pontos mais emocionantes: a relação entre Otília, vivida por Alice Carvalho, e Jânia, interpretada por Alinne Moraes. A cena em que Otília confia seus sentimentos a Rosa é um divisor de águas na teledramaturgia. “Fico longe dela e sinto saudade”, ela compartilha, em um momento que toca fundo.
O mais lindo é a reação de Rosa, que recebe a irmã com um abraço caloroso e diz: “Como vou ficar estranha contigo?”. Aqui, a novela não dramatiza a homossexualidade de forma exagerada, mas enriquece o tema com amor e acolhimento.
Alinne Moraes traz toda a sua força para Jânia, e ela mesma reconhece que, comparado ao passado, o espaço para histórias de amor entre mulheres agora é muito mais real e legítimo. “Antes, os gays só apareciam de forma estereotipada”, comenta, lembrando das cartas de meninas que enfrentaram rejeição. Agora o amor é tratado como amor — simples, livre e poderoso.
Mesmo em um contexto conservador, a relação entre Jânia e Otília é apresentada de forma natural. Jânia já se envolvia com Otília antes da morte de seu marido, e mesmo com o luto, não se esconde do que sente. Uma escolha corajosa dos autores, que transforma passado opressor em presente afetuoso.
### Padre Bida e Valiana: Uma Dança Entre Fé e Desejo
Enquanto o amor entre Jânia e Otília cresce, outro enredo se desdobra com sutileza: a relação entre Valiana, vivida por Nathalia Dill, e o Padre Bida. Aqui, a trama se desenha em um terreno delicado entre espiritualidade e desejo, mostrando que ser humano é muito mais que seguir regras.
Valiana tem um passado difícil, cheio de traumas e relações abusivas, mas quando se conecta com o padre, encontra um afeto puro, sem possessividade. O padre, por sua vez, navega entre seus votos e as emoções que não consegue ignorar.
Nathalia Dill vê o amor de sua personagem como um símbolo de reencontro pessoal: “Esse amor representa o reencontro dela com ela mesma”. A direção opta por um ritmo pausado, onde os olhares e toques contam mais do que palavras.
É aqui que “Guerreiros do Sol” se destaca. Em vez de seguir o manual das novelas, prefere explorar a complexidade interna dos personagens, sem nunca perder o fio da meada.
Ao adaptar o livro de Frederico Pernambucano de Mello, os roteiristas vão além de mostrar apenas a história do cangaço. Eles mergulham fundo nas entranhas do tema, investigando suas ambiguidades e reflexos sociais. Cada personagem é um labirinto de intenções, contradições e traumas.
A força feminina aparece com personagens como Petúnia e Sabiá, que não perdem sua essência nem na vida de cangaçeira. Até os homens, como Arduíno, ganham nuances que fuem de clichês.
No meio disso tudo, a direção tem total controle do tempo dramático. As pausas, os enquadramentos e a trilha sonora misturando regionalismo e tensão entregam uma novela que respeita a inteligência do público.
“Guerreiros do Sol” é muito mais do que um mero entretenimento: é uma experiência que provoca reflexões e emociona. Sem dúvida, é uma das obras mais consistentes do Globoplay, e merece nosso olhar atento pela beleza e delicadeza com que trata questões tão atuais.